A matemática como ferramenta

Recordar é viver.

Como se esquecer da primeira promoção profissional?

Eu era engenheiro de campo de uma empresa multinacional de petróleo e fui convidado a assumir a gerência de vendas de uma de suas  filiais em uma grande capital do nordeste.

Cumprindo o ritual de passagem, fiquei alguns meses sendo preparado para a nova missão fazendo cursos de gestão, de planejamento estratégico, de vendas, de qualidade no atendimento, etc  e aproveitei para solicitar os registros de vendas dos últimos 5 anos daquela filial.

Estávamos, então, nos anos 70 e não havia esta profusão de sofwares de apoio técnico como hoje mas mergulhei nos dados e comecei a realizar um belo exercício de estatística envolvendo cada zona de vendas com os respectivos desempenhos de cada produto.

Foi um verdadeiro festival de mínimos quadrados até poder ter em mãos um perfil confiável de toda a estrutura comercial.

De posse deste pequeno tesouro, lá fui eu com a esposa grávida e mais uma filha de dois aninhos, rumo a um dos maiores desafios de toda a minha carreira.

Visitei a filial para conhecer os funcionários internos e marquei uma nova visita para o sábado imediatamente anterior à segunda feira onde ocorreria a minha posse.

Nesta visita, fui até a sala denominada “Sala dos vendedores”, onde havia 9 escrivaninhas.  Imaginem o tamanho da sala.  O funcionário da segurança, que me acompanhava, arregalou os olhos quando pedi que me ajudasse a abrir e esvaziar todas as mesas mas obedeceu e assim o fizemos.  Ao final, na sala, ficaram 9 pilhas  caixas de papelão cheias e apenas uma mesa em local estrategicamente escolhido.

Na segunda feira pela manhã, ao chegarem para o trabalho, os vendedores levaram um choque ao entrarem em sua sala e encontrarem um desconhecido, ao lado do gerente da filial instalados na única mesa do recinto.

Nada foi dito nem explicado até a chegada do último homem de vendas, mantendo-se um suspense hitchkoquiano, até que o gerente da filial abriu a reunião com as seguintes palavras:

– Pessoal, muito bom dia.  Estou aqui para apresentar a vocês o nosso novo gerente de vendas.  Agora vou para a minha sala e deixá-los à vontade.  Bom trabalho a todos.

E saiu mesmo, me deixando dentro da jaula com as feras.

Levantei-me e, imediatamente, fez-se um silêncio sepulcral. Comecei.

– Bom dia a todos.  Gostaria de me apresentar e, em seguida peço que cada um se apresente e informe zona de trabalho e sua localização.  Meu nome é Cezar Magalhães, sou engenheiro mecânico e venho de nossa matriz, em São Paulo, para tentar auxiliá-los a dinamizar as vendas desta filial.  Mantenham-se a suas apresentações.  Depois terão oportunidade de receber as explicações sobre as alterações que encontraram nesta sala.  Por favor, comecemos.

Um a um, os vendedores foram se identificando e se posicionando dentro das zonas de venda do território abrangido pela filial.  Quando o último terminou sua apresentação, retomei a palavra.

– Meus amigos, vamos começar com o esclarecimento sobre o que se espera do funcionário que exerce o cargo de vendedor.  O vendedor é a figura mais importante do cronograma de qualquer empresa por ser o elo direto de ligação com a razão de ser da existência da empresa: seus clientes.  A eficiência de qualquer organização depende diretamente das eficiências individuais de cada componente deste departamento.  Trouxe comigo, para discutir e trocar idéias com vocês, um estudo que fiz na matriz sobre a realidade dos últimos 5 anos em cada zona de venda desta filial e estou aqui para ajudá-los a estabelecer uma nova rota rumo ao cumprimento dos objetivos e do sucesso. A atividade diária de venda deve começar na porta de entrada do primeiro cliente do dia e terminar na porta de saída do último cliente do dia.  Assim, se nosso horário de trabalho é das 08:00 às 17:00 horas, isto significa que não temos de passar diariamente pelo escritório todos os dias para tomar um cafezinho e trocar idéias com os colegas. Às 08:00h deveremos estar iniciando a visita de nosso primeiro cliente do dia.  Da mesma forma, 17:00h não é a hora de estarmos chegando em casa mas apenas o horário em que deveremos estar saindo de nosso último cliente do dia. Sabemos todos que nossa atividade exige algumas providências a serem tomadas fora das dependências do cliente e estas providências não precisam ser feitas aqui neste escritório e, por isso, cada um dos senhores deve levar para casa suas respectivas caixas contendo todo o conteúdo encontrado em suas mesas. Cada um dos senhores deverá comparecer uma vez por semana ao escritório, conforme uma planilha que receberão ao final desta reunião, para prestar contas do trabalho executado na semana anterior e apresentar o planejamento para a semana seguinte.  Neste planejamento deverá constar os nomes, endereços e telefones dos clientes visitados em cada dia da semana para que eu tenha possibilidade de encontrá-los em caso de precisar apresentar alguma notícia importante da empresa. Alguma pergunta?

– Cezar, com todo o respeito, esta é uma mudança muito radical pois altera demais nosso ritmo de trabalho ao qual já estamos acostumados.

– Deixo o julgamento desta colocação a vocês mesmos pois minha vinda para cá se deveu a uma tentativa da matriz para tentar recuperar a rentabilidade desta filial, ou seja, tentar salvar o emprego de cada um de vocês.  A maneira como vinham trabalhando não produziu o suficiente para cobrir as despesas e estamos trabalhando em déficit. O que preferem? Alterar o modelo de trabalho ou ficar desempregados com o fechamento da filial?  Mais alguma colocação?  Pois não.

– Desta nova forma, vamos trabalhar muito mais.  Vamos receber correção de salário?

– Vamos comparar o seu trabalho com o trabalho de um professor.  O tempo de trabalho dele é contado pelas aulas que dá.  Ele tem de estar na sala de aula no horário de seu início e sair após o tempo determinado pelo horário da escola.  A preparação das aulas, elaboração e correção das provas e trabalhos aplicados aos alunos, são atividades a serem  desenvolvidas em casa. O salário de vocês é calculado assim.  Compare com seus colegas da concorrência. Algo mais? Não?  Ótimo.  Então proponho que esqueçamos as previsões de vendas que fizeram para este período e façamos uma reunião já, agora, contando com a presença de todos para criarmos uma nova previsão.  Convido-os a se sentarem aqui comigo.

Aí foi o show do trabalho de estatística.

Vendedor por vendedor foi convidado a apresentar sua previsão de vendas, que foi confrontada com o resultado da pesquisa.

Ao final, tínhamos uma nova previsão de vendas profissional, factível e justa.

Durante o primeiro mes, 4 vendedores pediram demissão e novos não foram contratados.  A região foi redesenhada com novas 5 zonas de vendas.

É claro que outras providências menores tiveram de ser tomadas, que as dificuldades enfrentadas foram enormes, que o desafio foi tremendo e que, na fase inicial tudo foi muito difícil e complicado, como são sabidamente complicadas a natureza humana e a gestão de pessoas.

O fim do primeiro capítulo se deu no final do ano, na reunião dos gerentes de todas as filiais com a diretoria da empresa onde o presidente abriu a reunião anunciando que nossa filial já não era mais a lanterninha das vendas no Brasil.

2 comentários em “A matemática como ferramenta”

  1. Que experiência fantástica teve.
    Quanta auto confiança e arrojo precisou.
    Parabéns.
    Você conseguiu mostrar bem a importância da matemática.

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