Certa vez estávamos, meu avô, meu pai, meu irmão e eu a bordo de um pequeno bote de alumínio, no meio do segundo maior rio brasileiro e um dos maiores do mundo, o Rio Paraná e o tempo começou a fechar. Eu e meu irmão nos olhamos e continuamos em silêncio com as linhas na água. De repente vimos um relâmpago clarear o céu e, imediatamente, olhamos atentamente para nossos relógios.
Algum tempo depois, outro relâmpago, outra consulta ao relógio e demos juntos o veredito: -“Vamos recolher as linhas e a poita do barco agora pois daqui a exatos 10 minutos aquela tempestade estará bem em cima de nós”. Me lembro bem da cara de espanto que os velhos fizeram mas, felizmente, não discutiram e todos iniciamos rapidamente a operação.
Em oito minutos estávamos ligando o motor e correndo em busca de abrigo. Um vento mais forte estava começando e, com ele, as marolas começavam a crescer fazendo o pequeno barco corcovear ao transpor cada uma delas. Incrível como a margem demorava a chegar e buscávamos algum local espraiado e longe de árvores mais altas.
Achamos uma baixa, mas frondosa, com grandes galhos avançando para dentro do rio e partimos para lá a toda. Foi a conta de chegar, prender o barco a um galho baixo e forte e o pau quebrou. O temporal chegou com toda a sua fúria e passamos alguns minutos experimentando fortes emoções. Do mesmo jeito que chegou, a intempérie furiosa foi embora, as águas acalmaram e chegamos até mesmo a retomar a pescaria.
Quem ficou mais espantado foi meu avô que quis saber como foi que adivinhamos a hora da chegada da encrenca. –“Em casa a gente explica, vô. Não foi adivinhação e nem bruxaria, vai ver só”.
Esse caso sempre me vem à mente quando algum aluno insinua não ver necessidade de tanta matemática na escola. A matemática não é apenas para resolver problemas acadêmicos. Cabe em quase todas as situações do cotidiano de cada um. Vamos ver aqui o que foi exatamente que aconteceu.
Um relâmpago sempre vem acompanhado de um trovão. Como a luz do raio viaja a cerca de 300.000 quilômetros por segundo, podemos supor que a enxergamos no exato momento em que ele acontece. Entretanto, o barulho do trovão viaja bem mais preguiçosamente, a 340 metros por segundo. Quando aconteceu o primeiro relâmpago e consultamos o relógio, percebemos que o som do trovão demorou 15 segundos até que o ouvíssemos, o que significava que o núcleo da tormenta estava a uns 5100 metros de nós.
Passaram-se, então mais 5 minutos até o segundo relâmpago e mais 10 segundos até o som do segundo trovão ser ouvido. Isso significava que a tormenta elétrica estava agora a 3400 metros, ou seja, tinha se deslocado 1700 metros em 5 minutos. Bingo! Em 10 minutos estaria chegando em nós. Que corre-corre.
Foto: M Diversidades